O valor universal da água, no que diz respeito à sobrevivência da Humanidade e à importância que tem por exemplo para as questões energéticas e da regeneração do corpo, obriga a que cada um de nós deva tomar esse recurso como finito e o preserve em todas as formas de utilização. As cidades que o têm como recurso económico e identitário devem saber potenciá-lo como desenvolvimento, contribuindo assim para o desígnio universal. Este é um espaço de estas e de outras águas. De todas as águas.

2010-10-05

As Cores de Portugal

Imagem: projecto de bandeira nacional, tinta sobre tela, dim.510x610 mm, des. Delfim Faria da Costa, Sintra, 24 de Outubro de 1910, col. Arquivo Municipal de Lisboa, cota: PT/AMLSB/AL/CMLSB/UROB-PU/11/884, in Eu fui uma testemunha. O 5 de Outubro em Lisboa, edição da Câmara Municipal de Lisboa, p.54 (catálogo da exposição inaugurada hoje pela tarde nos Paços do Concelho).

A escolha das cores e da composição da actual bandeira portuguesa não foi pacífica, tendo inclusivamente dado origem a acesas polémicas e à apresentação de várias propostas, por parte dos partidários do azul e branco e os do verde e rubro, mesmo entre republicanos. Um dos exemplos é esta versão datada de 24 de Outubro de 1910, depositada no Arquivo Municipal de Lisboa e, a partir deste 5 de Outubro, revelada publicamente.
Não tendo, portanto, sido uma questão pacífica, as cores da bandeira republicana e nacional fixaram-se ainda em 1910, após relatório da comissão nomeada para o efeito [aprovada pelo Governo em 29 de Novembro, ratificada na Assembleia Nacional Constituinte em 19 de Julho de 1911 e publicada no Diário do Governo, sucessivamente nos números 141 e 150, em Decreto de 30 de Junho de 1911].
O azul e o branco haviam sido já decretados como as cores escolhidas para o laço nacional (cockard) nas Cortes Gerais da Nação, em 1821, baseadas no escudo de D. Afonso Henriques. Em 1910, na sessão da Câmara Municipal de Lisboa de 8 de Dezembro, uma curiosa intervenção do vereador Cunha e Costa ocupou-se dessa matéria, já depois de a bandeira definitiva estar entregue às “forças de terra e mar”, em acto solene dias antes.
José Soares da Cunha e Costa (1868-1928) era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Fora viver para o Brasil, tendo-se tornado Cônsul de Portugal em Santos, participando na acção da Comunidade Portuguesa que se preenchera de indivíduos instruídos e provenientes da burguesia, para consolidar o republicanismo e preparar a sua implementação em Portugal, também com os proveitos entretanto ganhos por eles no Brasil. Regressado a Portugal, Cunha e Costa publicou, no O Século, um grande número de artigos sobre tabaco, nos anos de 1904 e 1905. Apesar de eleito na Câmara Municipal republicana, em Lisboa, abandonou o Partido Republicano em 1911, aderindo à causa monárquica e colaborando em periódicos católicos. Não é de admirar, portanto, a intervenção acalorada deste edil acerca das cores da nova bandeira nacional.
Nessa sessão, o vereador começa por revelar a sua admiração pela introdução do verde, já que considera que, inicialmente, a comissão optara pelo branco e vermelho. Mas repudia o modo como a comissão eliminara a cor azul. Sobre esta, a comissão argumentou pela “acção nociva, dissolvente sobre o caracter portuguez, o depressivo marasmo, o servilismo resignado, a inercia imbecil da grande maioria da Sociedade Portugueza nos últimos 80 annos”. O azul era uma cor utilizada nas bandeiras de França, República Argentina, Chile, Confederação Australiana, Holanda, Suécia, Noruega, quaisquer destes países considerados pelo vereador como “modelos de virtudes cívicas”. Segundo Cunha e Costa:
“A Commissão adopta enthusiasticamente o vermelho, como a cor mais própria para exprimir a globulinea riqueza d’uma energia que se affirma ou de uma nação que desperta. Assim será. Infelizmente, ao lado da bandeira ingleza, onde aliaz o azul se acha representado, e das bandeiras da Suissa e da Dinamarca estas largamente cortadas por uma cruz, só tres nações hasteiam o pavilhão vermelho, o Egypto, a Turquia e o sultanato de Zanzibar. O pavilhão vermelho, inteiramente extreme dos symbolos, só ha o de Marrocos! Accentua a cicunstancia de ser a côr vermelha a do pavilhão real no antigo regimen e a côr verde o distinctivo da Casa de Bragança dethronada. Sem por forma alguma amesquinar o valor dos revolucionarios das jornadas de Outubro, nem esquecer a coragem civica dos que n’uma vida inteira de abnegação prepararam o advento da República, não deixará de dizer e sustentar que os actos de bravura e civismo n’esses dias praticados, dignos de toda a homenagem, não podem ter comparação com a epoca liberal que da legendaria Terceira vai até á convenção de Evora Monte atravez o [sic] cêrco do Porto. Foi pelas mãos do liberaes de 1820 e 1834 que os principios da democracia entraram na consciencia juridica do povo portuguez, há 80 annos”.
Cunha e Costa propôs que se desse à bandeira verde e vermelha honras excepcionais pelo papel que a República deveria ter na aproximação dos portugueses, mas que fosse nacional a bandeira azul e branca, por ter sido ela que acompanhara “os heroicos e generosos revolucionarios de 1820 e ainda ella a que desfraldaram os revolucionarios de 1829”. Seria esta, verdadeiramente, “a bandeira do povo e da liberdade”.
A bandeira verde e vermelha acabaria por vingar, definitivamente: rectangular (2:3), tal como as suas antecessoras, e bipartida nas cores fundamentais de verde e vermelho, ocupando o verde dois quintos da largura, do lado da tralha, e o vermelho os restantes três. Centrada na divisão, o brasão da República, constituído pelo escudo das armas nacionais, orlado de branco e assentado sobre a esfera armilar manuelina, em amarelo e avivada de negro, em referência à epopeia marítima portuguesa e à bravura, tenacidade, diplomacia e audácia dos portugueses. O diâmetro do brasão é igual a metade da altura da bandeira, ocupando metade da tralha e ficando equidistante das orlas, superior e inferior. Uma larga faixa carmesim, com sete castelos, simboliza a integridade e a independência nacional.
Segundo o parecer daquela comissão, o branco representaria a cor fraternal, em que todas as outras cores se fundem, cor de singeleza, de harmonia e de paz. A comissão defendeu que o vermelho figuraria como uma das cores fundamentais, por ser a cor combativa, quente, viril por excelência, cor da conquista, cor cantante, ardente, alegre, que lembra o sangue e incita à vitória. Em relação ao verde, para além de ser comummente associada à esperança, foi mais difícil a justificação da comissão, por ser uma cor sem tradição histórica, apenas baseada no argumento da consagração da revolta de 31 de Janeiro de 1891, a partir da qual o verde teria surgido no momento decisivo em que, “sob inflamada reverberação da bandeira revolucionária, o povo português fez chispar o relâmpago redentor da alvorada”.
Hoje em dia, não é raro encontrar versões simplificadas ou erradas da bandeira nacional, muitas vezes com incorrecções heráldicas, na representação do brasão, e cores trocadas ou deturpadas.

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