O valor universal da água, no que diz respeito à sobrevivência da Humanidade e à importância que tem por exemplo para as questões energéticas e da regeneração do corpo, obriga a que cada um de nós deva tomar esse recurso como finito e o preserve em todas as formas de utilização. As cidades que o têm como recurso económico e identitário devem saber potenciá-lo como desenvolvimento, contribuindo assim para o desígnio universal. Este é um espaço de estas e de outras águas. De todas as águas.

2010-07-23

Viajar! A República, a institucionalização do Turismo e as Termas em Portugal


Imagem: menu do IV Congresso Internacional de Turismo, ilustrado por Gilberto Ventura Renda, 1911

A institucionalização do Turismo em Portugal foi mais facilmente possível, nos termos em que decorreu, graças à implantação da República, meses antes.
Curiosamente, há 100 anos, as histórias de dois importantes edifícios associados às práticas termais cruzavam-se em datas próximas à implantação da República em Portugal. A 4 de Outubro de 1910, os Banhos de S. Paulo, em Lisboa, receberam o quartel-general dos conspiradores republicanos e, para o dia 6, estava prevista a inauguração pelo rei do majestoso Palace Hotel do Vidago.
Após a implantação da República, encarou-se o turismo como parte integrante da resolução dos problemas do país e como via para a aproximação à Europa. Em 1911, a agricultura portuguesa absorvia 57% da população e a indústria apresentava-se débil e desconcentrada; só 17,5% da população residia em centros urbanos.
Era um país fortemente ruralizado o que, em 1911, assistiu à criação da primeira Repartição de Turismo em Portugal e à pretensão do grupo Le Soleil de Lisbonne, encabeçado pelo capitalista Eduardo Coelho, em dotar Lisboa de um grande complexo turístico. Todavia, esta ambição viria a concretizar-se no Estoril, pela mão de outros investidores, liderados por Fausto de Figueiredo. Os contornos dos dois projectos eram semelhantes: a construção de hotéis, casino e outros equipamentos de lazer, rodeados de amplas zonas verdes.
Nas Caldas da Rainha, fora criada a Liga de Defesa e Propaganda, cujos propósitos passavam por: «Chamar às Caldas, como a mais importante das estações termais da península e a mais própria estação de Verão, a concorrência de nacionais e estrangeiros, fazendo larga propaganda das suas condições climatéricas, das suas belas águas, da sua situação como centro de excursões, do encanto dos passeios».
Mas a República viabilizaria, sobretudo, o grande projecto do Estoril. Desde logo, dando-lhe apoio político no Parlamento e, também, através do Conselho de Turismo, pelos seus relatores, arquitecto Ventura Terra e o director da Repartição de Turismo, José de Ataíde. A legislação hoteleira, de 1914, concedeu isenções a quem construísse hotéis com conforto semelhante aos melhores hotéis estrangeiros.
Mas, ao mesmo tempo, o país tinha dificuldade em sair do fraco desenvolvimento em termos de infra-estruturas e equipamentos que permitissem acessibilidades rápidas e confortáveis, o que influenciava a fraca procura turística. Note-se que apenas depois da I República se iniciaria a construção sistemática de estradas e, nos anos 40, do aeroporto, das gares marítimas e da remodelação dos transportes ferroviários. O mercado interno da hotelaria portuguesa era, até aos anos 30, dependente das camadas mais endinheiradas da sociedade, sendo que a maior parte dos fluxos de aquistas das termas portuguesas procurava unidades mais modestas, como pensões e casas particulares.
Em 1915, o arquitecto Raul Lino define um modelo típico de hotel português, neste caso para o sul, que inspira, mais tarde, a legislação de 1930 que, no seu preâmbulo, aconselha que os edifícios adaptados ou a construir de raiz se harmonizassem tanto quanto possível com o carácter regional ou nacional. A principal influência seria concretizada na construção das pousadas do Estado Novo, defendidas no I Congresso da União Nacional (1934) e no I Congresso Nacional de Turismo (1936).
Durante a I República, as termas portuguesas acabam por polarizar um território autónomo, onde se geriu um número apreciável de unidades hoteleiras, muito à custa do saber dos seus proprietários que incutiam nos empregados a arte de bem receber, já que era escassa a formação hoteleira e os trabalhos editados em Português sobre a matéria.
À escala do território, foi importante a criação de comissões de iniciativa, como aconteceu com a dinâmica Comissão das Caldas da Rainha, embora em muitos outros locais o seu papel não tivesse sido aquele que o legislador inicialmente pensou. Na Comissão das Caldas, destaque para o nome do coronel José António Ferreira Madaíl, personalidade da cultura portuguesa da primeira metade do século XX, autor de um guia turístico sobre as Caldas da Rainha (1911), director da Sociedade Propaganda de Portugal e fundador da Sociedade Industrial Farmacêutica (1923). Madaíl desenvolveu uma acção cultural significativa a favor da cultura regional caldense.
As comissões de iniciativa foram criadas pela Lei n.º 1152 de 23 de Abril de 1921, com o objectivo de promoverem quer o desenvolvimento de todas as estâncias hidrológicas ou termais e outras (praias, estâncias climatéricas, de altitude, de repouso, de recreio e de turismo) quer o incremento da indústria do turismo. As funções que lhes foram cometidas consistiam no zelo da área turística, na elaboração de projectos de melhoramento, na inventariação de vestígios históricos e na cobrança da respectiva taxa de turismo que era enviada ao Governo. As comissões de iniciativa foram extintas, já no Estado Novo, em Dezembro de 1936, e em seu lugar foram criadas as Juntas de Turismo que receberam o seu património.
Inaugurada que é hoje a exposição "Viajar", no âmbito do Centenário da República, reitera-se a importância de celebrar o Centenário da Institucionalização do Turismo em Portugal, em 2011, como oportunidade para relevar a importância desta actividade para a Cultura e para a Economia.

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